por Douglas Fersan
A discussão sobre os arquétipos da Umbanda é um assunto interminável, complexo e apaixonante, mas muitas vezes cai no erro de se atribuir um caráter extremamente simplista, quase sempre baseado apenas na primeira impressão deixada pela entidade analisada.
Como fruto dessa análise superficial, podemos citar, apenas para exemplificar, o processo de demonização sofrido pelos exus, valorosos trabalhadores do Astral, quase sempre injustiçados e vistos com maus olhos por aqueles que desconhecem completamente a Umbanda e até mesmo por muitos se dizem filhos dela, mas que tão pouco se preocupam em entendê-la, bem como às entidades que nela trabalham. Outro caso recorrente de equívoco quanto ao arquétipo ocorre com a versão feminina dos exus, as pombas giras, que muitos acreditam tratar-se de espíritos de prostitutas quando da sua existência terrena. Claro que sua postura sensual contribui para isso, mas nem toda mulher sensual foi ou é prostituta, como nem toda pomba gira também. Talvez essa espécie de “personificação” que imputam às entidades de Umbanda exista para facilitar a compreensão do leigo, mas o umbandista, que pratica e vivencia a religião e a toma como filosofia de vida, tem o dever de conhecer e entender melhor os tipos culturais, étnicos e psicológicos nela representados. Acreditar que o espírito da criança manifesta-se simplesmente para externar a pureza, por exemplo, é reduzir toda a sabedoria umbandista a uma conotação muito simples e frágil.
Dessa forma, aos pretos velhos, espíritos tão populares na Umbanda, a ponto de muitas vezes suas figuras serem usadas como ícones da religião, são atribuídas comumente duas qualidades: a humildade e a sabedoria.
A condição de escravo teria dado ao preto velho a postura sempre humilde, sentado em seu banquinho, com as costas arqueadas e falando baixinho, numa atitude típica de quem sabe que deve comportar-se adequadamente frente ao seu senhor. Já a sabedoria seria fruto da idade avançada e das largas experiências supostamente vivenciadas em Terra.
Mas seria o preto velho apenas isso? Um senil humilde e sábio? Todo o sofrimento de um povo, que deu seu sangue para a construção de um país estaria resumido a uma figura arqueada e humilde, porém sábia?
A História mostra que a saga do povo negro é repleta de lutas, então, relegar o preto velho a uma condição praticamente submissa é negar o passado desse povo. Insistir na idéia de que o preto velho é somente sábio e, principalmente, humilde, é querer perpetuar um passado de injustiças, a ponto de querer manter o negro, mesmo já estando na condição de espírito, como um ser subserviente e amedrontado.
Basta estudar a História para entender que o negro não teve uma postura humilde e submissa o tempo todo. O maior ícone dessa etnia em nossa história, Zumbi dos Palmares, é também a representação de um povo que não se rende à força bruta da escravidão. Exemplo de liderança, resistência, coragem e luta, Zumbi ainda hoje é lembrado e festejado em todo o Brasil como o representante de um povo que não se entrega facilmente.
Não é somente na história do Brasil que encontramos exemplos de resistência dos negros frente à opressão: Nelson Mandela, Martin Luther King, Malcon X, Agostinho Neto e outros tantos, o que nos leva a concluir que o povo afrodescendente não tem como hábito quedar-se passivamente frente às injustiças e às imposições.
A própria mentalidade européia, incutida em nossas mentes ao longo do processo de colonização e perpetuado mesmo após o desligamento do Brasil com as amarras portuguesas, nos impôs a falsa impressão de que o negro (e também o índio) são seres pouco civilizados e frágeis de espírito e discernimento. Eis aí um gigantesco e medonho engano. Essa visão paternalista às avessas nos remete à falsa impressão de que as etnias não-européias são frágeis e necessitam da proteção civilizatória que o estereotipado tipo europeu poderia dar. A realidade é que por trás dessa visão aparentemente inocente e provida de caridade existe uma feroz intenção de dominar econômica e ideologicamente todo um povo e aniquilar sua cultura. Não fosse a coragem, a determinação e o espírito de resistência do povo negro, e isso já teria acontecido. Toda a riqueza cultural do chamado continente negro teria desaparecido e seu povo seria mão-de-obra barata e nada mais.
Assim, acreditar que o arquétipo do preto-velho se resume a humildade e a saberia é desprezar todo o seu passado de lutas. O preto-velho possui sim a humildade, mas a humildade dos sábios, e não subserviência daqueles que se entregam facilmente. Acima de tudo o preto-velho representa o vencedor, que mesmo diante de toda violência que sofreu, soube resistir e manter viva a sua cultura e a chama da sua fé.
O preto-velho é também o símbolo da resistência, da luta e do vencedor.
Douglas Fersan
A discussão sobre os arquétipos da Umbanda é um assunto interminável, complexo e apaixonante, mas muitas vezes cai no erro de se atribuir um caráter extremamente simplista, quase sempre baseado apenas na primeira impressão deixada pela entidade analisada.
Como fruto dessa análise superficial, podemos citar, apenas para exemplificar, o processo de demonização sofrido pelos exus, valorosos trabalhadores do Astral, quase sempre injustiçados e vistos com maus olhos por aqueles que desconhecem completamente a Umbanda e até mesmo por muitos se dizem filhos dela, mas que tão pouco se preocupam em entendê-la, bem como às entidades que nela trabalham. Outro caso recorrente de equívoco quanto ao arquétipo ocorre com a versão feminina dos exus, as pombas giras, que muitos acreditam tratar-se de espíritos de prostitutas quando da sua existência terrena. Claro que sua postura sensual contribui para isso, mas nem toda mulher sensual foi ou é prostituta, como nem toda pomba gira também. Talvez essa espécie de “personificação” que imputam às entidades de Umbanda exista para facilitar a compreensão do leigo, mas o umbandista, que pratica e vivencia a religião e a toma como filosofia de vida, tem o dever de conhecer e entender melhor os tipos culturais, étnicos e psicológicos nela representados. Acreditar que o espírito da criança manifesta-se simplesmente para externar a pureza, por exemplo, é reduzir toda a sabedoria umbandista a uma conotação muito simples e frágil.
Dessa forma, aos pretos velhos, espíritos tão populares na Umbanda, a ponto de muitas vezes suas figuras serem usadas como ícones da religião, são atribuídas comumente duas qualidades: a humildade e a sabedoria.
A condição de escravo teria dado ao preto velho a postura sempre humilde, sentado em seu banquinho, com as costas arqueadas e falando baixinho, numa atitude típica de quem sabe que deve comportar-se adequadamente frente ao seu senhor. Já a sabedoria seria fruto da idade avançada e das largas experiências supostamente vivenciadas em Terra.
Mas seria o preto velho apenas isso? Um senil humilde e sábio? Todo o sofrimento de um povo, que deu seu sangue para a construção de um país estaria resumido a uma figura arqueada e humilde, porém sábia?
A História mostra que a saga do povo negro é repleta de lutas, então, relegar o preto velho a uma condição praticamente submissa é negar o passado desse povo. Insistir na idéia de que o preto velho é somente sábio e, principalmente, humilde, é querer perpetuar um passado de injustiças, a ponto de querer manter o negro, mesmo já estando na condição de espírito, como um ser subserviente e amedrontado.
Basta estudar a História para entender que o negro não teve uma postura humilde e submissa o tempo todo. O maior ícone dessa etnia em nossa história, Zumbi dos Palmares, é também a representação de um povo que não se rende à força bruta da escravidão. Exemplo de liderança, resistência, coragem e luta, Zumbi ainda hoje é lembrado e festejado em todo o Brasil como o representante de um povo que não se entrega facilmente.
Não é somente na história do Brasil que encontramos exemplos de resistência dos negros frente à opressão: Nelson Mandela, Martin Luther King, Malcon X, Agostinho Neto e outros tantos, o que nos leva a concluir que o povo afrodescendente não tem como hábito quedar-se passivamente frente às injustiças e às imposições.
A própria mentalidade européia, incutida em nossas mentes ao longo do processo de colonização e perpetuado mesmo após o desligamento do Brasil com as amarras portuguesas, nos impôs a falsa impressão de que o negro (e também o índio) são seres pouco civilizados e frágeis de espírito e discernimento. Eis aí um gigantesco e medonho engano. Essa visão paternalista às avessas nos remete à falsa impressão de que as etnias não-européias são frágeis e necessitam da proteção civilizatória que o estereotipado tipo europeu poderia dar. A realidade é que por trás dessa visão aparentemente inocente e provida de caridade existe uma feroz intenção de dominar econômica e ideologicamente todo um povo e aniquilar sua cultura. Não fosse a coragem, a determinação e o espírito de resistência do povo negro, e isso já teria acontecido. Toda a riqueza cultural do chamado continente negro teria desaparecido e seu povo seria mão-de-obra barata e nada mais.
Assim, acreditar que o arquétipo do preto-velho se resume a humildade e a saberia é desprezar todo o seu passado de lutas. O preto-velho possui sim a humildade, mas a humildade dos sábios, e não subserviência daqueles que se entregam facilmente. Acima de tudo o preto-velho representa o vencedor, que mesmo diante de toda violência que sofreu, soube resistir e manter viva a sua cultura e a chama da sua fé.
O preto-velho é também o símbolo da resistência, da luta e do vencedor.
Douglas Fersan
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